segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Americana cria ONG que gera renda para viúvas afegãs



O marido de Susan estava em um dos aviões que foi atirado contra as Torres Gêmeas.

Quando se é jovem, talentoso, apaixonado; quando se tem um bom emprego, família, uma vida perfeita. Perder o primeiro dia de aula do filho de 4 anos parece ser a pior coisa que pode acontecer. Naquele 11 de setembro, David escreveu um bilhetinho para o filho Ben, saiu de casa, no subúrbio de Boston, e embarcou no vôo 11 da American Airlines.

“Minha reação foi de um sofrimento absoluto. Uma tristeza que tomou conta de mim. E de raiva. Eu tinha dois filhos, estava grávida. E sofrendo tanto que não consegui ver a enormidade da tragédia”, conta Susan Retik, viúva de David.

Dez anos depois, Susan vive na mesma casa. Sobre a lareira, uma placa feita da coluna de aço das torres. Mas os três filhos agora têm uma irmãzinha, ela se casou de novo. O grande recomeço foi ver além do inimigo.

A resposta americana aos ataques foi invadir o Afeganistão. Naquele país, sob o regime dos talibãs, Bin Laden treinava terroristas e pregava o ódio. Com os soldados americanos, foram jornalistas. E foi pela televisão que Susan conheceu a realidade dos afegãos.

Susan fundou uma ONG para financiar programas de criação de renda para viúvas afegãs: “Eu queria ajudar essas mulheres como eu fui ajudada. Muitos estranhos me ajudaram porque se viram no meu lugar. Eu me vejo no lugar dessas viúvas afegãs. Se você só vê as diferenças, eu sou judia, elas muçulmanas; eu tenho faculdade, elas não estudaram; é fácil ser indiferente. Mas veja as semelhanças: somos mulheres, mães, tentando criar nossos filhos. Isso é universal, é humano”, diz Susan.

No começo, um contratempo: a parceira local da ONG foi sequestrada pelos talibãs, e nem assim o trabalho parou. Susan já foi Afeganistão para conhecer os projetos: “Encontrar essa mulheres, ouvir suas histórias, conversar, comer e tomar chá juntas, trouxe a realidade delas para perto de mim”, afirma.

Ser viúva no Afeganistão é terrível. Para começar, a mulher é propriedade da família do marido, que pode obrigar ela a casar com outra pessoa sem querer. Mas, às vezes, isso não acontece porque ela é mal vista, por já ter sido ‘usada’. Muitas vezes, ela é abandonada, porque a família não quer sustentá-la.

Perder a guarda dos filhos, ser obrigada a casar com um cunhado, sem direito a herança, ser maltratada para sempre. Várias mulheres viveram essa experiência só por serem viúvas. Zuleiha é uma delas. Ela conta que o marido foi morto pelo Talibã, mas que agora ela não tem mais que implorar por ajuda, não tem mais que mendigar.

O trabalho dela foi criado por uma organização chamada Ahzu, que quer dizer esperança. Razia Jan, uma afegã-americana, é a fada madrinha, a locomotiva, a força por trás de tudo. As mulheres não sabiam sequer contar dinheiro. No Afeganistão, de cada duas mulheres, uma é analfabeta. No projeto, elas aprendem a ler e escrever, e é obrigatório.

Pode parecer bobagem, ainda mais no Brasil, mas a revolução na vida dessas mulheres é a possibilidade de lavar roupa com conforto. Tem água quente, água fria, tanques arrumados, tudo quentinho, porque seis meses do ano, neva no Afeganistão. A proteção de um teto, água em abundancia sem estar gelada, possibilidade de banho com sabão é uma transformação enorme na vida delas.

E perto de lá, por trás de um alto muro de pedra, existe outra realidade. Razia Jan conta que construir algo desse tipo é enorme investimento em dinheiro, mas também emocional, porque muda a vida das pessoas.

Ao lado do local, ela mandou fazer um playground para os filhos das mulheres. Para a criançada, é a primeira vez que conhecem algo assim. Todo dia fica cheio.

No meio dessa alegria, se vê uma garota do lado de fora levando um filho. Mais de 60% das afegãs casam com menos de 16 anos. Muitas com 12, 13 anos. São crianças que queriam estar nos brinquedos, mas são obrigadas a casar cedo.

Tudo no país é uma exceção. No Afeganistão, ser menina, mulher, viúva, em tempos de guerra ou de paz, ainda é uma condenação.

Sexta-feira, 6h: um grupo de ciclistas liderado por Susan se reúne em Nova York, diante do Marco Zero. Ao lado dela está o novo marido: “Há uma cratera aberta em nossos corações. O bem é mais forte do que o mal, não podemos esquecer que há muitas vidas a serem resgatadas”, diz Susan.

Os projetos financiados pela ONG fundada por Susan já transformaram as vidas de 10 mil mulheres no Afeganistão. Mas isso ainda é pouco: são dois milhões de viúvas no país devastado por guerras nas últimas três décadas. Por isso os 10 anos dos atentados são comemorados por elas de uma maneira que vai muito além de lembrar das vítimas.

Uma bicicletada de Nova York a Boston. São três dias e 350 quilômetros arrecadando dinheiro: “Muita gente pesa que, porque eu faço isso, eu não tenho raiva. Eu tenho. Mas não culpo uma religião, um país inteiro pelas ações de uns poucos. O povo afegão não é mau. Há grupos do mal”, afirma Susan.

Mas isso não significa perdão: “Não. Eu não perdoo Osama Bin Laden, não perdoo os terroristas que não tinham nenhuma consideração pela vida. Mas não vou deixá-los decidir se sinto ódio ou não”, afirma.

Para Susan, esse é o verdadeiro combate ao terrorismo: “Essa guerra não pode ser vencida com armas. Você não pode obrigar o mundo a ser seu amigo. Mas você pode ser amigo do mundo. Quero que as mulheres alcançadas pelo nosso trabalho saibam que isso vem dos Estados Unidos. Não do governo ou das grandes empresas, mas gente de todo tipo que realmente quer que elas tenham uma vida melhor”, diz Susan.



 

Um comentário:

  1. A complexidade emocional da fundadora que a levou a fundar a ONG, torna seu trabalho ainda mais relevante!

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